segunda-feira, 19 de novembro de 2007

DOS JOGOS DE NAIPE

"Contava-se que durante dias seguidos, nos jogos de naipes não saia trunfo que não fora espada, tanto se jogasse pouco como muito. Houve até quem se afastasse do jogo por julgar-se embruxado o baralho (…) Mas volvida uma semana, o trunfo virado ocorria sempre nos ouros, e assim se manteve até ao dia da tragédia."
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. III, Lisboa, 1758

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

DAS BESTAS QUE AS BESTAS PARIAM

"Dizia-se que vinham pessoas de muitos lados para ver o bicho, potro de poucos dias, que fugia a esconder-se debaixo duma égua assarapantada(...). Trazia numa parte do lombo listas escuras como as de um sardão, tão grandes que se podiam notar ao longe. Havia nesse lugar grande rumor, e eis que um dia um dos curiosos contou a versão da sua crença: que o bicho não era senão filho de um igual, que havia na quinta de um conhecido seu que em tempos o trouxera de África; contou também que o homem tinha por costume trazer o bicho pelas quintas noite fora, para que castiçasse bestas alheias sem dar disso notícia nem esperar consentimento. A todos a história pareceu incrível e desacreditaram-na. Desta guisa se lhes manteve a crença em feios desígnios da superstição (...)"
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. I, Lisboa, 1757

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

DOS BICHOS QUE SE JOGAVAM AO RIO

"Impressionante era para quem os visse descendo as ruas: conta-se que foram milhares, ratos, ratazanas e musaranhos, que corriam botando abaixo tudo o que se lhes deparasse no caminho. Chegados ao Tejo não paravam e mandavam-se em força para as águas geladas da manhã (…) Mas antes de jogar-se, rodaram à volta de um homem, velho embarcadiço que por ali andava, subiram-lhe às pernas e levaram-no para o fundo do rio."
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. IV, Lisboa, 1758

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

DAS PLANTAS QUE MEDRAVAM

"Houve coisas em muitas quintas dignas de reparo e nota: que as plantas deitaram flores em Outubro quando seria esperado que o fizessem apenas em Maio e Junho; (...) Houve notícia de figueiras inteiras carregadas de figos, fora de tempo e calor, quando nas quintas já se apanhava castanha. (…) A fruta vinha tão carregada de bicho que não sobrou peça que a comesse o homem e quase nenhuma que a trincasse o gado."
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. V, Lisboa, 1758

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

DAS MORTES PELOS BICHOS

"(…) E quem passasse naquela rua percebia que algo mui raro sucedera, tanto era o alvoroço das gentes. Dois homens seguravam um cavalo convulso pelos freios e um círculo de pessoas se fechava à volta da seguinte visão aterradora: um pombo, enterrado no rosto de um homem novo que jazia de peito acima, estrebuchava agonizante, ao passo que o homem, já branco de morto, sangrava pela nuca e pela face. (…) Quem visse o jazido nestes termos, sem ouvir o relato dos feitos, não o diria humano por tão grotesca ser a visão."

in Relato dos Dizeres Comuns, vol. II, Lisboa, 1757

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

DOS PEIXES QUE SE APANHAVAM NAS REDES

“E nas redes dos barcos chegavam peixes muito raros, de outras naturezas em grandes e pequenos tamanhos mas sempre com muitas cores. Todos os olhavam muito intrigados e quando nas redes se misturavam as sardinhas, que estrebuchavam o dobro destes por não estarem na água, ninguém reparava nelas por tão grande ser o contraste.”
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. V, Lisboa, 1758

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

DOS RISOS QUE ULULAVAM NA NOITE

"Um criador de vários animais, em uma quinta na parte oriental de Lisboa, sentiu risos à noite e saiu alumiado por uma lanterna para procurar donde vinham. Descobriu, o que o apavorou muito, que os risos provinham de cães seus, (...) muitos eram pardos e riam com as bocas abertas em sorrisos sardónicos, enquanto os cães amarelos dormiam como se nada fosse."
in Relato dos Dizeres Comuns, vol. III, Lisboa, 1758